segunda-feira, abril 25, 2011

Reflexão de 25 de Abril

 

Já viram que ninguém invoca um poeta, um cantor intervencionista, ou um Capitão de Abril actual? Só há palavras de quem já partiu e não vê que este País se tornou num País de direitos e não de Direito. Agora torturam-nos sem nos prender. Um País onde todos acham que os deveres são para os demais.

Os condecorados na tradicional cerimónia, que este ano se realizou em Belém, são, como sempre, burgueses e nobres dos nossos dias.

As manifestações, que deveriam ser comemorações, são mais invocativas de 1917 do que de 1974. Portugal é um País carregado de ideólogos utópicos em busca de um ideal irreal.

Crescem as vozes contra a democracia e contra os políticos, alavancadas pelos aldrabões que nos governam, que em tempo de crise, e num dia simbólico, correm a inaugurar obra, fazendo campanha à custa do País. Provavelmente o dinheiro que gastam no aluguer de uma tenda e no combustível dos carros de todos nós que os trazem de Lisboa a Sto Tirso (Sócrates e a Ministra da Educação inauguram ali, hoje, a remodelação de uma escola), serviria para cobrir algumas despesas mais urgentes, que não são poucas.

Enquanto os políticos se acharem donos da democracia, enquanto se acharem no direito de esbanjar só porque o que esbanjam não tem impacto significativo nas contas públicas, não há verdadeira democracia em Portugal. Enquanto uns senhores acharem que, ao roubar os ricos, ou a economia, para dar a alguns que não querem fazer pela vida, ou enquanto alguns ricos acharem que não têm o dever de proporcionar oportunidades a outros, não há verdadeira liberdade.

A democracia não se apregoa contra ninguém. É por isso que me faz sempre imensa confusão esta data e as comemorações com ela relacionadas. Enquanto uns se acham donos da liberdade, outros há que parece terem medo de se mostrar neste dia. E esses outros somos muitos de nós, que apesar das muitas dificuldades, somos conotados como ricos e fascistas por muitos discursos.

Ainda há umas semanas, depois de uma viagem a Milão para aí correr a Maratona, vi num site de um amigo comentários de alguns que nos intitulavam de “…clube dos ricos que, apesar da crise, se passeia por provas internacionais”. No meu clube, Porto Runners, há advogados, médicos e engenheiros, mas também há operários fabris, empregados de mesa e funcionários autárquicos. Portugal está a tornar-se um País de inveja, onde qualquer forma de lazer se conota com desafogo financeiro, onde quem tem um carro de gama média ou mora numa zona mais nobre é imediatamente intitulado de “queque”. O sentimento de posse do português não permite que parta em busca de sonhos, faz antes com que se torne num revolucionário por inveja. Ainda há muita gente que acha que o 25 de Abril se fez para, numa directa relação e equilíbrio de forças, tirar a uns para dar a todos, como se tal fosse possível. Enquanto não disserem às pessoas que o trabalho e o esforço são a forma mais directa e justa de conseguir o que quer que seja em democracia, e não o “sacar” enquanto há distraídos, não evoluiremos como País, nem como sociedade.

Este Portugal de Abril é um amontoado de tipos barrigudos, que ao longo dos anos se bateram e continuam a bater por privilégios corporativistas e que, na esperança de manterem o discurso actual, se penduram numa geração que, deitada sobre o regaço de uma licenciatura, achava que, como antes da revolução, um canudo já dava futuro.  

Sobram aqueles que trabalharam sob promessas que se sabiam impossíveis de cumprir, e que agora, acossados pelas circunstâncias, se mantêm calados, não vá fugir o pouco que ainda nos garantem.

Acham que as oportunidades são as mesmas para todos?

Acham que todos agarram as oportunidades que se lhes deparam na vida?

Acham que todos estão dispostos ao sacrifício?

É de mim ou nos últimos 15 anos se cultivou uma sensação de que “andar ao alto” compensa?

É de mim ou é mais fácil ser apoiado para deixar a droga (o que não é criticável) do que para uma vítima de violência doméstica deixar a casa do agressor?

É de mim ou é mais fácil viver do rendimento mínimo do que do trabalho pesado?

É de mim ou as pessoas associam democracia a direitos?

Serei só eu que não acho normal que o passe social, em qualquer empresa de transportes públicos, seja ao mesmo preço para mim e para um mendigo? Ou para o Belmiro de Azevedo?

Serei só eu que não ache normal que as taxas de justiça sejam as mesmas para mim e para o Sr. Américo Amorim?

Serei só eu que não acha normal que os professores não tenham autoridade? Ou os Policias (excepto no trânsito)?

Haverá mais alguém que, como eu, ache perfeitamente normal haver ricos numa sociedade democrática? Ou que ache estranho políticos enriquecerem?

Esta sociedade que foi criada com a revolução, levou-nos a este ponto de viragem em que, ou aparece alguém com coragem suficiente para explicar que não somos todos iguais, ou então vamos seguir em queda livre, enquanto abanámos na mão o nº de beneficiário da Segurança Social.

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