terça-feira, outubro 21, 2014

UTAX 2014 – Então não era eu e o trilho?


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Promessa não cumprida. Não fui eu e o trilho.

Vou eu em dia de aniversário para Castanheira de Pera em busca de uma promessa feita em modo de claim, e o que é que me sai? Uma prova. Não fui e o trilho. Não fui sequer eu e o filho da #%$”& do trilho, como cheguei a comentar com o Tiago Santos algures a meio de uma descida que mais parecia uma pista de saltos de esqui; não, fui eu e uma pipa de gajos no meio de uma serra.

Então era eu e o trilho, e sai-me uma catrefada de gente numa praça com luzinhas na cabeça, impermeáveis vestidos (sim, chovia) equipados a rigor, alguns até com bengalas próprias de trilhos, e havia até marcações?

Então era eu e o trilho, e fiquei logo num engarrafamento na primeira incursão num trilho?

Então era eu e o trilho, e havia abastecimentos, alguns até com sandes de chourição e num deles tinham um panelão de sopa?

Então era eu e o trilho, e fartei-me de ver bombeiros a tratar os pés de outros que lá foram em busca da emotiva máxima “Tu e o Trilho”?

Desculpem, mas o UTAX tem pouco de “Tu e o Trilho”.

Eu e o trilho foi só quando tive de me sentar a meio da subida para o Santo não sei quantos das Neves, que nunca mais aparecia no nevoeiro, e tive de sacar de uma das minhas 12 barras que levava na mochila e comer. Parecia um verdadeiro “survivor”, não fosse a embalagem. Ou quando mergulhei a cabeça nos ribeiros para me refrescar, ou quando enchi os cantis nas cascatas, bebi das levadas e comi castanhas tiradas de ouriços que estavam pelo chão.

Eu e o trilho, foi quando me deu vontade de pendurar o Tiago Santos numa árvore, quando ele desatou a cantar cantos líricos.

Eu e o trilho, foi quando me doíam os pés e subia mais rápido do que descia.

Eu e o trilho, foi quando acabou um frontal e tive de tirar o suplente da mochila. Ou quando precisei de repelente de insectos, ou quando precisei de vaselina… Tudo isto é trail. O que não é trail é ver o lixo que muitos dos pseudo atletas vão deixando pelo chão, ou ver papel higiénico usado a boiar num ribeiro. Isso já é uma espécie de turismo pago em zonas de risco, com bombeiros para dar assistência. Já tem pouco de trail.

Por isso gosto cada vez menos das provas massificadas, salvo raras excepções, e cada vez mais procuro provas longas, onde os aventureiros têm noção da aventura onde se metem. Porque ver um perfil de uma prova é antes de ver os km, ver a altimetria, ver os abastecimentos, mas principalmente – e é o que muitos descuram – saber se temos capacidade para reagir a qualquer imprevisto.

Afinal a história do “És tu e o trilho”, era um aviso de que o UTAX é trail a sério. E trail a sério, é quando não sabes se 1 km te vai demorar 10 min ou 1h a percorrer. É quando não sabes se vais trepar cascatas, descer pedreiras, ou subir durante horas km a fio. Isto é trail. Trail é selvagem, não tem abastecimentos. Trail é orientarmo-nos pelo topo das serras e ir de uma a outra pelo caminho que for possível. Trail é caminhar, correr, saltar, andar dentro de água ou dormir numa gruta. E para tudo isto temos de estar preparados.
Prova de trail é tudo isto, mas com abastecimentos, atleta vassoura, classificações e possibilidade de resgate mais rápido. Mas para irmos a uma prova de trail temos de contar apenas connosco e com o trilho marcado e limpo (poucos sabem, mas é o que dá mais trabalho).

É curioso, que as provas que mais polémica geram entre os participantes, são as provas realizadas nas serras onde mais dificilmente o ser humano chega – Freita, Estrela e Lousã. Curioso também, é que são poucos os que se atrevem a treinar por aquelas bandas, e os que o fazem são dos melhores atletas de trail do pelotão nacional.

Resumindo, o UTAX continua como era, uma prova dura, ainda mais dura pelo upgrade de distância e desnível, e feita a pensar no trail.

Agradeço a simpatia de toda a UTAX Team. O abraço que dei ao João Lamas no final é extensível a todos sem excepção, bombeiros e populações incluídas.

Obrigado ao Tiago Santos por me aturar toda a prova, e ao Pedro Rodrigues pela companhia depois dos 60 km. Aos companheiros de viagem Sérgio Moreira e Pedro Moreira, um abraço sentido e um obrigado pela companhia, vossa e das vossas Marlenes. Havemos de repetir.

À Lousã, um até já. Tenho que ir aí treinar, para ser mesmo eu e o trilho.

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3 comentários:

  1. EXCELENTE!....
    e verdade verdadinha!... e com toda a tecnologia de ponta usada já não há trilhos a sério!...

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  2. Eu estou muito desfasado desta época e não sei bem o que é trail!
    Lembro-me é quando os quantos malucos começaram nesta "má" vida em Portugal a meio da década de 90.
    Lembro-me de fazer uma descida a pique em cima de xisto molhado direito à aldeia do Piodão, agarrado a um pau a fazer de cajado, a bater do dente de frio, equipado de calções e t-shirt e sapatos de estrada. Não sei se aquilo era trail (na altura chamam provas de montanha) e ainda hoje não sei o que era aquilo nem o que é o trail!
    Mas fui muito feliz naquelas loucuras e hoje tenho pena que o esqueleto não me dê para grandes aventuras e experimentar "essa coisa" do "trail moderno" que alguns pensam que em Portugal nasceu "ontem".
    E coitado do Tiago Santos então um trail com musica não é melhor :)
    Parabéns pelo excelente texto e um abraço de um dos pioneiros dos trail em Portugal mas que não faz ideia o que é isso! :)

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