terça-feira, dezembro 09, 2014

Caminho a Fisterra - Dia 3

Dia de chegar ao km 0 do Caminho, o "Finis Terrae", como chamavam os romanos, "Fisterra" para os galegos. Percurso muito agradável, sem fugir muito da beira-mar, mas sempre a subir e descer, logo desde Muxia. Saímos da Igreja da Senhora da Barca, já quase recuperada do incêndio que quase a destruiu na totalidade, e com um átrio novo, melhorado. 
Dia feriado também por cá, e assim, com o Posto de Turismo fechado, não havia onde levantar ou pedir a Muxiana, certificado do Caminho até ali. Não era dia de certificados fáceis, como iria compreender mais tarde. 
Aos 10 km alcançamos um britânico alto e magro com origem indiana e nome português. O "da Cunha", jovem nos 20 e algo, que diz viver as vitórias da nossa selecção como se fossem dele, fez todo o caminho francês, desde perto de Lyon - 1500 km - do dia 7 de Outubro até hoje. Diz que a tradição de queimar roupas em Finisterra será pela quantidade de pulgas que se apanham nos albergues "provisionais" espanhóis, que se revelam maus, mas baratos, ao contrário dos franceses. 
Tal como nós, espantou-se com a verde Galiza, que comparou à Irlanda, e com a falta de gosto da construção, que com nada se compara. Do mal o menos, são gente simpática e hospitaleira. Fomos juntos até aos 15 km, onde o deixamos sentado ao balcão de um bar e só o voltamos a ver ao final do dia. 
Seguimos caminho, que amigo não empata amigo, e fomos ultrapassando gente de outras latitudes. Um japonês que mancava, uma espanhola que fumava, e um casal sentado no chão do trilho, divertidos a imitar macacos. Dali a Finisterra, que não dista mais de 3,5 km do verdadeiro fim, fomos a passo de caracol, para fazermos render o dia. 
Finisterra tem falta de pão, mesmo nas padarias, e o autocarro para Santiago percorre toda a Costa da Morte, num ziguezague constante e com paragens em todas as freguesias. 3 horas que custam imenso e que não repetirei. Um habitante de Finisterra, disse ser mais fácil e cómodo apanhar o autocarro para A Coruña e aí fazer transbordo para Santiago. Poupa-se uma hora e o enjoo das curvas. Tanto foi o enjoo e a pressa de sair da camioneta, que nos esquecemos lá dos certificados Finisterranos. Paciência. Os km, 124, e o Caminho ninguém nos tira. É isso que nos fica na memória. E é isto, toda esta vivência, que nos faz ter vontade de voltar quanto antes.


- Início do Caminho em Muxia


- Igreja da Senhora da Barca, ao fundo. Muxia. 


- Finisterra. Início de um mar revolto e belo, a perder de vista. Belo lugar para o km 0. Havemos de voltar ao km 1, só temos de escolher o dia e lugar. E regressar a Finisterra, que mais parece um início. É na simplicidade que se vêm os grandes trajectos. 



Ultreya!






domingo, dezembro 07, 2014

Caminho a Fisterra - Dia 2

Hoje chegamos a Muxia. Muxia é passagem obrigatória para quem vai a Finisterra, onde os romanos pensavam estar o ponto mais oriental - o fim - da Europa (hoje sabemos que é o Cabo da Roca), e até onde peregrinam os caminheiros,  depois de passarem por Santiago para se despojarem de roupas, calçado e selar o epílogo da viagem que replica a do Apóstolo Tiago. Não reza qualquer lenda que São Tiago (ou Jacques em francês, ou James em inglês) tenha alguma vez ido a Finisterra, mas diz que a Virgem se deslocou a Muxia num barco de pedra, para o animar na sua peregrinação. As pedras da barca teriam ali ficado e terão poderes curativos. São essas pedras, que se movem mas que ali persistem há séculos, que servem de átrio à Igreja das Barcas, ali edificada.
História e estórias à parte, a história desta etapa e dos mais de 46 km, é uma réplica do primeiro dia relativamente à paisagem, mas um retrocesso gastronómico. Hoje não tivemos quase onde comer. Depois de um início auspicioso, aos 13 km, em Oliveiroa, com um café acompanhado de "Biscoito típico", anunciava o taberneiro (afinal era só uma fatia de bolo de laranja), um desagradável - para nós - acontecimento encurtava-nos drasticamente a hora de almoço. Com 25 km corridos e um buraco no lugar do estômago, entrámos no primeiro café com aspecto disso, em Dumbria - Capital de Concelho. Cheio de gente, sentámo-nos na única mesa vaga. Tirámos as mochilas, já que prevíamos ali ficar pelo menos 1 hora, e aguardámos o camareiro. Aparece-nos um jovem com avental, mesmo com pinta daqueles novos cozinheiros saídos do "Masterchef". Imaginei logo um menu especial - umas sandes de 1 metro, ou as melhores vieiras ainda a 20 km de Muxia. Mas nada disto se confirmou. Afinal, o jovem vinha-nos convidar a sair, porque era Domingo e já passava da hora de fechar. Perguntamos onde havia outro restaurante, respondeu que nada antes de Quintáns, a 11 km. Já só saíamos dali com força bruta, não íamos fazer aqueles km todos com fome. 
Depois de muitos pedidos e de explicarmos que não estávamos de bicicleta, mas a pé, lá nos deram o pão saloio que sobrara (p'raí 1/2 kg), com queijo e presunto, e um prato com pedaços de tortilha de batata que até parecia petisco Masterchef. Entre um preço envergonhado que nos fizeram e duas latas de Coca-Cola, explicaram-nos que tinham uma celebração em casa, e que aquela gente toda que enchia o café, eram família que aguardava o almoço que marcaria os 90 anos da matriarca. Quase nos fizemos convidados, mas havia caminho para fazer. 
Dali a Muxia foi... Não, não foi um tiro, que este caminho não é de velocidade. Foi mais um serpenteado em passo de caracol, a poupar o esqueleto, que amanhã há mais. 
De referir que o primeiro café que vimos aberto, foi a 5 km de Muxia. Íamos penar e passar fome. Assim só penámos. 
Ao Caminho! Ultreya!


Hospital - pequena localidade onde se opta por ir directo a Finisterra, ou por Muxia.


Despojos de peregrinos. Juro que se tivesse uma catana para cortar aquela vegetação à volta dos pneus, teria-o levado. 


Oliveroa - Um mural pintado na parede de um Albergue, com uma discreta frase escrita a lápis que diz "Sê tu próprio". 


Caminho bonito, agradável e sereno. 




sábado, dezembro 06, 2014

Caminho a Fisterra - Dia 1

Vou começar pelo fim: 
Casa Pepa, fixem este nome, como nós fixamos, ainda faltavam 21 km para lá chegar. Tem a melhor sopa de lentilhas do Caminho, e excelentes instalações para repousar. Foi-nos indicado na Cervejaria Esmorga, em Negrera - onde servem "bocadillos" de 40 cm -, depois de ter ligado para outras duas alternativas, que estavam encerradas, e quando já ponderávamos ficar ali, devido ao adiantado da hora. Tínhamos saído de Santiago já depois das 10h, tínhamos que arranjar alternativa antes de cair a noite. 
Este Caminho de Santiago a Finisterra é um infinito ondulado verde, raramente pincelado por casas, umas pirosas, outras tradicionais de pedra granítica, mas muito rural. Duro qb, (hoje, em 42 km acumulamos 2.000 mt), bonito e muito bucólico. Pouca "civilização", muita dela concentrada nesta Casa Pepa, um albergue muito bom, com tudo o que é civilizado, a 11 km de Oliveroa, em Santa Mariña.  
O mês de Dezembro tem pouco movimento de peregrinos, que nos proporcionou um caminho calmo, silencioso, propício à contemplação das cores da imensa natureza que abunda na Galiza, e de divertimento nos excelentes trilhos tão bem cuidados, onde se pode correr calmamente. 
Ruído só mesmo o dos corvos, ou o nosso a clamar pelo fim de mais uma subida. 
Pouco ruído no Caminho, mas de sobra no bréu do Albergue, que partilhamos com o José, bicigrino venezuelano que não usa telemóvel, não se lembra quando começou o Caminho francês - "talvez há um mês" -, e que ronca mais que todas as Zundapps cá da terra. O barulho veio depois da luz apagada. 
E pronto. Agora vamos pôr os tampões nos ouvidos - indispensáveis para quem se mete ao Caminho - e tentar recuperar forças para mais 42 km amanhã, para chegarmos a Muxia. 
Ao Caminho!


- À saída em Santiago


- Bocadillo enorme e bom!


- Ai que rica sopinha! 


- O José, que também tem um blogue, mas mais rudimentar, ainda a caneta BIC. Escreve todos os dias, mas não põe datas.